Estagnação e a herança maldita
O baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012, puxado em boa medida pela desaceleração da taxa de investimento, tem levantado um debate sobre os rumos da política econômica no governo Dilma, sendo que na interpretação de vários economistas ortodoxo-liberais a desaceleração é consequência do fracasso do modelo intervencionista estatal.Para tais economistas, a desaceleração econômica resulta do excesso de intervenção do Estado na economia (falta de transparência regulatória, incentivos a demanda, etc.) que aumenta a incerteza e inibe o espírito animal empresarial. Adiciona-se ainda que a falta de reformas liberalizantes (reforma trabalhista, legislação tributária, ambiente regulatório, redução de carga tributária, etc.) contribuiria igualmente para a queda na produtividade e na taxa de investimento.Alguns economistas sustentam ainda que os efeitos benéficos das reformas do governo FHC (“herança bendita”) estariam acabando, dando lugar assim ao velho modelo estatista dos anos 70. Em uma só expressão, é preciso “romper com o estatismo”.Concluindo, tudo indica que estamos pagando a conta de anos de politica econômica ortodoxa
Como a prova do pudim está em comê-lo, a evidência derradeira de que não seriam apenas fatores externos que explicariam o menor crescimento da economia brasileira é o fato de que nossos vizinhos latino-americanos – Chile, Colômbia, México e Peru -, que teriam adotado um modelo menos intervencionista, têm tido um crescimento maior nos últimos anos do que o Brasil.
Vamos avaliar a consistência desses argumentos, começando pelo final. Não faz qualquer sentido comparar o Brasil – uma economia de grande mercado interno – com economias de pequeno porte como Chile, Colômbia e Peru, cujo dinamismo é derivado primordialmente da exportação de commodities e produtos agrícolas. Já o México, de maior porte, é uma economia muito dependente da economia americana, tendo tido uma taxa média de crescimento de 2,5% em 2005/12 (contra 3,7% do Brasil).
Quanto ao argumento de que a queda na taxa de investimento está relacionada com a falta de reformas liberalizantes cabem alguns comentários. Em primeiro lugar, não há evidências empíricas robustas de que um maior crescimento econômico está associado a reformas liberalizantes. Um trabalho empírico feito por Hausmann, Pritchett e Rodrik (2005), ao analisar 80 episódios de acelerações econômicas, conclui que na maioria dos casos reformas econômicas não produzem tais acelerações.
Já Stiglitz sustenta que reformas (privatizações, abertura de mercado, etc.) em si não garantem uma maior eficiência econômica e bem-estar social, sendo mais importante o modelo de regulação e medidas estruturantes que venham acompanhá-las. Ou seja, há reformas e reformas… Adicione-se que não há evidências de que as reformas realizadas no governo FHC tenham produzido maior crescimento econômico; em particular, o modelo de privatização adotado no setor de energia elétrica revelou-se um rotundo fracasso. Por fim, não há porque acreditar que houve mudanças estruturais significativas no modelo regulatório nos anos recentes que justifique, agora, uma desaceleração na taxa de investimento.
Quanto ao excesso de intervencionismo estatal, os argumentos em geral estão eivados de ideologia liberal subjacente. Contudo, não me parece factível sustentar que há um retorno ao modelo estatista dos anos 70. O Brasil é outro, o governo é outro. O que se busca é um equilíbrio entre ação do Estado e iniciativa privada (e não um modelo em que o governo via empresas estatais é o principal executor do investimentos) procurando-se viabilizar uma complementaridade entre investimento público e privado. Como assinalava Keynes não é fácil encontrar o (necessário) equilíbrio entre a agenda do governo e a não agenda. O governo brasileiro parece ter perdido sua capacidade estruturante e de realizar investimentos, e não tem sido fácil o aprendizado.
A desaceleração do investimento parece estar relacionada a um conjunto amplo de fatores. Em primeiro lugar, como argumentou nesta seção Chico Lopes, houve recentemente um forte crescimento da capacidade produtiva ociosa das empresas industriais o que em parte explica a discrepância entre crescimento do faturamento das empresas e crescimento (menor) da produção industrial. Uma vez reduzido o estoque é de se esperar alguma retomada dos investimentos. Em segundo lugar, anos de política de juros elevados e câmbio apreciado gerou uma certa tendência à desindustrialização da economia, que mais recentemente começou a se mostrar de forma mais contundente (com forte aumento do coeficiente de importação da indústria), tendo como efeito colateral uma redução no investimento agregado da economia.
De fato, o setor manufatureiro tende a ser mais intensivo em capital, além de ter fortes efeitos de encadeamento para frente e para trás sobre a economia como um todo. Assim, desde meados de 2010 manteve-se o crescimento acelerado no volume de vendas no comércio varejista enquanto que a produção industrial estagnou-se.
Tudo indica que estamos pagando a conta de anos de politica econômica ortodoxa, e não se pode esperar mudanças do comportamento dos agentes como um passe de mágica. Assim, é fundamental que o governo mantenha sua política de busca de um novo “equilíbrio” para as variáveis básicas – como taxa de juros e taxa de câmbio – que afetam a expectativa de longo prazo do empresário, sem sofrer a tentação de mudar tal política. Ao mesmo tempo, devem-se destravar as amarras que seguram o investimento público em infraestrutura.
*Luiz Fernando de Paula é Doutor em Economia pela UNICAMP, com pós-doutorado pela Universidade de Oxford, é pesquisador nível 1 do CNPq. Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FCE/UERJ), Presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB) e Membro do Conselho Editorial da Revista de Economia Política. Recebeu o Prêmio IPEA-Caixa (2007) e Prêmio Brasil de Economia – COFECON (2000 e 2003).