Em Sergipe, concessão de água e esgoto ignora ESG
Por Marcos Helano Montenegro
Meio ambiente, impacto social e Governança. É o que significa em português a sigla ESG (Environmental, Social and Governance), que norteia a sustentabilidade no mundo dos negócios.
O ESG surgiu no mercado financeiro como uma forma de valorizar o impacto das ações de sustentabilidade nos resultados das empresas. A sigla apareceu pela primeira vez em 2004, no grupo de trabalho do Principles for Responsible Investment (PRI), rede ligada à ONU que tem objetivo de convencer investidores sobre investimentos sustentáveis.
Adotar os princípios ESG significaria assumir as responsabilidades ambientais, sociais e de governança nas ações e investimentos por isso atualmente é difícil encontrar alguma empresas ou instituição que não se declare comprometida com esses princípios, seja qual for sua atividade. O ESG vende o conceito de que o primeiro objetivo de uma empresa não seria o lucro.
Não é o caso do negócio da privatização dos serviços públicos de água esgoto em Sergipe conduzido pelo Governo do Estado com o apoio do BNDES, que contratou os estudos e documentos para a licitação. Senão vejamos com base em alguns exemplos concretos.
No que diz respeito aos impactos ambientais não foram fixados indicadores de desempenho para medir a poluição nas águas dos rios e praias causados por esgotos não coletados ou inadequadamente tratados pela concessionária. A modelagem do negócio também não considerou os custos do manejo dos lodos gerados nas unidades de tratamento de esgoto a serem operados pela concessionária. Na verdade, foram “esquecidos” parte dos custos das próprias estações de tratamento de esgotos.
No que diz respeito à governança o edital de licitação da concessão é um modelo do que não deve ser feito. Estima-se que a DESO vai entregar à concessionária privada durante todo o período de 35 anos da concessão 6,385 bilhões de m³ de água tratada. A concessionária deverá pagar R$ 13.089.023.391,58 (treze bilhões, oitenta e nove milhões, vinte e três mil, trezentos e noventa e um reais e cinquenta e oito centavos) por aquela quantidade de água, a R$ 2,05/m³. Salta aos olhos a importância deste preço unitário. No entanto, não há nos estudos qualquer justificativa para seu valor. A transparência, uma das bases da governança, está sendo explicitamente tripudiada.
Mas, neste caso, outra base da governança também está sendo atropelada: a responsabilidade corporativa.
A eventual subestimação deste preço pode inviabilizar a sustentabilidade econômica da DESO fazendo com que o governo de Sergipe tenha que aportar recursos extraordinários para garantir o abastecimento dos sergipanos e, por outro lado, elevar indevidamente a lucratividade da concessionária por adquirir água a preço menor do que o custo da sua produção pela DESO. Já na hipótese de que este preço unitário esteja superestimado, haveria tarifas mais caras para o usuário final do que poderiam ser, com prejuízos para a modicidade tarifária e a acessibilidade.
É uma governança torta de uma concessão que pode ser um tiro de misericórdia na sustentabilidade financeira da DESO. Ou então, uma fonte permanente de despesas para o Governo do Estado cobrir os prejuízos e manter a empresa em operação.
A dimensão social também não foi respeitada como fica claro quando se examina o tema da tarifa social de água e esgoto. O edital considera a cobrança de tarifa social, que é um preço com desconto para as famílias em condição de pobreza ou baixa renda, para apenas 5% da população e estabelece que se este percentual for ultrapassado as tarifas de todos os usuários devem ser aumentadas a título de compensação.
Ora, segundo o CadÚnico, chega a 400 mil o número de famílias sergipanas em situação de pobreza ou baixa renda, o que equivale a 49% da população do Estado. Como hoje a DESO e os SAAEs têm cadastrados pouco mais de cerca de 20 mil clientes atendidos com tarifa social, outras 380 mil famílias não recebem o benefício e precisam ser incluídas.
Erro ou má fé na adoção do limite de 5%?
Realmente, neste processo de privatização o Governo de Sergipe e o BNDES “ESGueceram” dos princípios de sustentabilidade.
Marcos Helano Montenegro é engenheiro civil e mestre em engenharia urbana. Membro da coordenação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento – ONDAS.