Iniciativa privada quer abocanhar saneamento via marco regulatório
| Por George W. Silva
Matéria aparentemente despretensiosa da Folha de S.Paulo, distribuída a inúmeros jornais do país, inclusive de Sergipe, pela agência Folha Press, circulou no dia 9/4, com o título original “Brasil precisa dobrar investimento anual em saneamento para bater meta”. O leitor menos atento, ao lê-la, pode concluir que só é possível avançar na universalização da oferta de serviços de saneamento no Brasil, em especial, de esgotamento sanitário, com investimentos maciços na iniciativa privada. Nada mais equivocado.
A matéria, já em sua abertura, aponta o volume necessário e quem é o maior interessado em meter a mão nesses recursos: “O Brasil precisaria dobrar seus investimentos em saneamento básico para atingir a meta nacional nos próximos 15 anos. A projeção é de que serão necessários ao menos R$ 22,3 bilhões por ano até 2033. Em 2016 — dados mais recentes divulgados —, foram investidos R$ 11,7 bilhões, segundo dados da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto).”, aponta.
De fato, o país precisa investir mais em saneamento, e a desculpa de que faltam recursos para esse setor, vital para a melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, não se sustenta. E por que direcioná-los para o setor privado? O setor público, através das suas companhias de saneamento, não tem condições de assumir esses serviços? Tem sim. Tem corpo técnico de excelência e estrutura para tal, mas a ingerência política sempre fala mais alto.
Mas voltemos aos valores postos na matéria da Folha. Segundo aponta, serão necessários investimentos de R$ 22,3 bilhões por ano até 2033. Falta esse montante ao governo? A resposta é não. Somente com a sonegação fiscal, os cofres públicos deixam de receber, anualmente, cerca de R$ 400 bilhões, dinheiro mais que suficiente para universalizar o saneamento. Recentemente, o governo golpista de Michel Temer livrou o Itaú-Unibanco de pagar dívida de R$ 25 bilhões por sonegação fiscal.
Com corrupção e negociatas, outros tantos bilhões somem no ralo da desonestidade endêmica nacional todos os anos. Então, não se trata de falta de recursos ou de incompetência estatal, mas sim de gestão e vontade política.
Novo marco regulatório
Em outro trecho da matéria, fica claro que o setor privado, aproveitando o atual momento de desmonte do setor público pelo governo neoliberal e entreguista de plantão, vai continuar buscando controle sobre parte do setor de saneamento do país – onde lhe render gordos lucros, obviamente – e também das verbas públicas para tocar as obras necessárias e assumir a concessão dos serviços. Para isso, querem mudanças no marco regulatório, após não conseguirem fazer avançar o famigerado Programa de Parcerias de Investimento (PPI) – do qual Sergipe, com muita luta do SINDISAN e pressão dos trabalhadores, pulou fora.
“A associação pleiteia junto ao governo federal mudanças no marco regulatório do setor para facilitar a expansão das empresas privadas no segmento, hoje de 6%. Para ele, a ampliação das companhias no setor seria essencial para a ampliação dos investimentos. A aprovação das novas regras se tornou prioritária para as companhias (…)”, diz a matéria, associando a entrada das empresas privadas no setor ao crescimento nos investimentos, ardilosamente sem destacar que esses investimentos não são privados, mas totalmente públicos.
Ataque direto
Então o que faz o setor privado e os seus “tentáculos” entranhados no governo federal? Querem o envio imediato de um novo marco regulatório do saneamento ao Congresso Nacional. E sabe onde exatamente a iniciativa privada quer atacar o atual marco regulatório do setor? Na forma de contratação das companhias de saneamento pelas prefeituras.
Sob a legislação atual, os municípios podem firmar contratos diretamente com as concessionárias estaduais. A abertura de concorrência só é necessária caso haja interesse em contratar uma empresa privada. Para satisfazer o setor privado, o governo trabalha para obrigar as prefeituras a abrir uma concorrência sempre, escancarando de vez o setor.
Portanto, trabalhadores da Deso e também dos SAAEs, grandes multinacionais estão ávidas por abocanhar fatias cada vez maiores do setor de saneamento brasileiro e essa mudança no marco regulatório, atendendo especificamente aos interesses privados, pode enfraquecer as companhias estatais. Enfraquecidas economicamente, serão alvo fácil para os privatistas.
A luta agora passa a ser contra essa mudança brutal na legislação, que não atende necessariamente aos interesses da população, mas a empreiteiras e poderosas multinacionais, de olho principalmente no controle das nossas reservas de água. Lutemos!
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[+] George W. Silva é jornalista e assessor de Imprensa e Comunicação do Sindisan.