O bom exemplo da cidade portuguesa que reestatizou o saneamento básico e tarifa caiu até 59%

Um dos casos mais recentes de reestatização dos serviços de saneamento básico no mundo, a cidade portuguesa de Setubal retomou, no final do ano passado, o controle sobre o abastecimento de água e a coleta e tratamento dos esgotos depois de 25 anos nas mãos da empresa privada Águas do Sado. Como resultado, este ano houve redução no valor da tarifa entre 18% e 20%, alcançando 90% dos usuários; e de até 59% para os demais consumidores que pagam a tarifa social. Também já se registra melhoria na oferta dos serviços prestados agora pelos Serviços Municipalizados de Setúbal (SMS) e mais transparência na gestão.

E Setubal não é exceção quando se trata de controle público sobre os serviços de saneamento básico em Portugal. Dos 308 municípios portugueses que compõem a nação, apenas cinco continuam com esses serviços sendo operados por empresas privadas. A cidade portuguesa juntou-se ao rol das mais de 300 cidades em 37 países que nos últimos 20 anos reestatizaram o tratamento e distribuição de água após piora nos serviços e preços abusivos, a exemplo de Atlanta e Indianápolis (Estados Unidos), Accra (Gana), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapeste (Hungria), Kuala Lumpur (Malásia), La Paz (Bolívia), Maputo (Moçambique), Paris (França) e Itu (São Paulo).

Na contramão desse movimento mundial e surfando na onda privatista iniciada no desastroso governo Bolsonaro, que conseguiu aprovar e sancionar a Lei 14.026/2020, atualizando o Marco Legal do Saneamento em favor da iniciativa privada, muitos prefeitos e governadores, a exemplo do de Sergipe, de olho nas gordas cifras envolvidas, estão entregando os seus serviços de água e esgoto para a iniciativa privada, por meio de concessões de até 35 anos, privatizando no todo ou em partes as suas companhias estatais de saneamento ou serviços autônomos.

Silvio Sá, presidente do SINDISAN, alerta para o projeto de entrega dos serviços da DESO ao setor privado

“É o que, lamentavelmente, vem planejando o governador de Sergipe, Fábio Mitidieri, que já sinalizou sua intenção ao setor privado com uma vistosa matéria publicada recentemente no jornal O Estado de S. Paulo e distribuída a todo o país pela Agência Estado, do mesmo grupo. Sergipe está indo na contramão do que vem sendo registrado no mundo, onde cidades importantes estão retomando o controle público dos serviços de água e esgoto por entenderem que saneamento básico é um setor estratégico e que lida com a vida e a saúde da população, e que não pode estar a mercê de interesses privados, especialmente diante da atual crise climática global e a crescente escassez hídrica”, aponta o presidente do SINDISAN, Silvio Sá.

Bem essencial à vida

Nunca é demais lembrar que o lucro garantido em determinados casos de privatização do setor de saneamento é sinônimo de falta de acesso de um grande número de pessoas a um bem essencial à sobrevivência e à vida: a água. Para garantir lucro e retorno financeiro aos seus acionistas, as empresas privadas, diferente das estatais, recorrem a aumentos abusivos de tarifa, gerando um ciclo vicioso em que a população, especialmente a mais carente, não consegue arcar com os aumentos tarifários, a arrecadação da empresa para obras e ampliação dos serviços fica comprometida, afastando ainda mais a universalização do acesso à água e aos esgotamento sanitário.

Em Alagoas, por exemplo, o diretor da BRK Ambiental, que assumiu a concessão de 13 municípios da região metropolitana de Maceió por 35 anos, para tentar justificar os péssimos serviços prestados e a tarifa elevada, declarou “que as receitas da empresa não estão sendo suficientes nem para arcar com os custos operacionais, razão pela qual deverá trabalhar durante 15 anos, no mínimo, com as contas no vermelho”.

Privatizado, saneamento de Manaus é um dos piores entre as 100 maiores cidades do país (Foto: Valter Calheiros/Divulgação)

Outro exemplo de privatização fracassada do saneamento é o da cidade de Manaus (AM), que privatizou os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário há 23 anos e a população, refém da empresa privada Águas de Manaus (Aegea Saneamento e Participações), paga uma das tarifas mais altas do país mas, em contrapartida, a capital amazonense figura entre as piores cidades no ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil (SNIS 2021). A cidade ocupa o 83º lugar no atual ranking que avalia as performances dos cem maiores centros urbanos no Brasil, estando muito longe da promessa de tarifa justa e universalização dos serviços feita quando a empresa assumiu a concessão.

“Sergipe não pode embarcar em aventura semelhante por 35 anos, como deseja o governador Fábio Mitidieri. A população sergipana, especialmente a mais pobre, os políticos comprometidos com o bem-estar do povo e as entidades da sociedade civil organizada precisam abraçar essa luta e se contrapor a esse projeto insano de entrega dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário à iniciativa privada, porque depois de sacramentado, serão 35 anos reféns de uma empresa privada que só buscará lucro, e não tem como voltar atrás”, alerta Silvio Sá.

(Foto principal: SMS/Divulgação)

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