Sindicalistas rechaçam PPP’s, federalização e privatização no setor de saneamento e defendem fortalecimento da gestão pública
O 2º Seminário Nacional de Saneamento, realizado pelo SINDISAN/SE e pela Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), foi encerrado ontem (12), com três palestras e a plenária final. O evento, que aconteceu no Hotel Real Classic, em Aracaju (SE), reuniu dirigentes de sindicatos urbanitários de todo o país, estudantes e representações de parlamentares e de sindicatos de outras categorias interessados em debater o tema ‘PPP’s e a Federalização do Saneamento’.
Na palestra de abertura do último dia, o engenheiro Abelardo de Oliveira Filho, que também já foi presidente da Empresa de Águas e Saneamento da Bahia (Embasa) e secretário nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, abordou exatamente o tema ‘As PPP’s e Federalização do Saneamento’. Traçando um panorama do que vem sendo apresentando de projetos pelo atual governo interino de Michel Temer, Abelardo apontou a sistemática por trás do velho discurso de modernização da equipe de Temer para, na verdade, se retomar o programa de privatizações em todos os setores estratégicos da era Fernando Henrique Cardoso.
“Estão retomando o velho Programa Nacional de Desestatização do FHC, não só para o setor de saneamento, mas em todas as áreas estratégicas para o país. É o mesmo projeto criminoso, conhecido como Privataria Tucana, que entregou, a preço de banana, a nossa Vale do Rio Doce, empresas de energia e telecomunicações e bancos públicos. Temos que estar prontos para denunciar isso à sociedade e resistir”, enfatizou.
Abelardo também reforçou a nova onda de federalização que pode vir nesta atual conjuntura, em face do Projeto de Lei Complementar (PLP) 257/2016, do governo federal, que estabelece o Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal. O projeto abre a possibilidade da venda de ativos de empresas e companhias estatais na renegociação de dívidas dos estados com a União.
“Estados como o Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Pará, São Paulo e, segundo a imprensa e os colegas do SINDISAN, Sergipe já começaram a analisar ativos que poderiam entrar nesse programa. Então são iniciativas, assim com o crescente número de parcerias público-privadas que já estão em andamento no setor de saneamento que nos preocupam, porque quem mais tem a perder é a população, em especial, os mais pobres, que deixarão de ter acesso mais barato a serviços públicos essenciais, como o de água e de esgotamento sanitário”, alertou o palestrante.
Diante do cenário difícil de desmonte das companhias e empresas públicas de saneamento de todo o país e dos ataques aos serviços públicos, Abelardo trouxe a experiência exitosa do período em que esteve à frente da Embasa, de 2006 a 2014. Em 2006, ele e sua equipe receberam a empresa apresentando mais de R$ 1 bilhão de resultado negativo; oito anos depois, a Embasa já apresentava lucro de R$ 46,9 milhões, com ampliação de direitos e ganhos para os trabalhadores da Embasa.
“Fizemos uma gestão pautada pela eficiência, modernização e a busca pela excelência na qualidade dos serviços. Por que empresa pública não pode ser excelente e dar lucro? Pode sim, e nos provamos isso. Basta o compromisso do governante com a oferta de melhores serviços à população e dos gestores com a empresa. E um detalhe: pela primeira vez, nos 45 anos da Embasa, seus sete diretores foram técnicos da casa, porque o governador Jaques Wagner nos deu essa prerrogativa. Então, quando se tem compromisso com as pessoas e se evita que as empresas públicas sejam usadas politicamente, no mau sentido, é possível se fazer uma gestão eficiente”, destacou o engenheiro.
Contra as PPP’s
Na segunda exposição do dia, o secretário de Saneamento da CNU e coordenador do Observatório de Saneamento Básico da Bahia, Pedro Romildo, tratou do tema “Luta e resistência dos trabalhadores contra as PPP’s’. Ele fez um apanhado geral sobre todos os documentos e legislações que colocam a água como um direito humano e o saneamento básico também como um direito e dever fundamental do indivíduo e da coletividade, além de um serviço público essencial e, portanto, dever do Estado.
“A água não pode ser vista como mercadoria ou servir como fonte de lucro para investidores e empresas privadas. Um bem essencial às pessoas não pode estar nas mãos do setor privado. E, neste momento, não podemos aceitar o retorno do projeto defendido nas décadas de 70, 80 e 90, que defendia que a universalização do saneamento no Brasil só seria possível transferindo esses serviços para o setor privado. É isso que o atual governo interino quer. Nós vimos aqui que as empresas privadas que já controlam concessões no Brasil, cerca de 5%, não investem quase nada na ampliação e melhoria dos serviços, e quando investe, é dinheiro público e dos trabalhadores, dinheiro do BNDES e do FGTS”, apontou.
Romildo lembrou que mais de duzentas grandes cidades do mundo, a exemplo de Paris, e vários países, como a Itália, desprivatizaram o setor de saneamento a partir da mobilização da população contra o modelo privado, que não respondeu à promessa de ampliação e melhora dos serviços, ao passo que seus lucros eram cada vez maiores e as tarifas cada vez mais elevadas.
“A Bolívia é um caso bastante claro, onde a empresa americana Bechtel celebrou um contrato de concessão com o governo (de Cochabamba) onde uma das cláusulas proibia a população até mesmo de captar a água das chuvas. Ou seja, privatizaram até mesma água de chuva. A tarifa subiu de tal forma que as pessoas não podiam pegar. Foi preciso o povo ir às ruas, enfrentar a repressão do exército boliviano. Várias pessoas morreram até que o governo teve que voltar atrás. A Bechtel foi expulsa da Bolívia e uma empresa pública foi criada. Esse episódio brutal ficou conhecido como ‘A guerra das águas’”, relatou o sindicalista.
Ainda de acordo com Romildo, o atual governo brasileiro está indo na contramão da maioria dos países e cidades do mundo que hoje reconhecem a importância de ter suas águas e a gestão do saneamento sob controle estatal, inclusive diante da problemática da crescente escassez de água potável no mundo, a ponto de especialista já alertarem que as próximas guerras não serão motivadas por petróleo, mas por água.
“É preciso lembrar que o Brasil tem a maior reserva de água doce do mundo. Precisamos salvaguardar essa riqueza para o nosso povo. É bom lembrar também que nós nunca tivemos uma política nacional para setor de saneamento. Somente depois do governo Lula é que começamos a estruturar o setor e que os investimentos efetivamente chegaram. Temos desafios? Temos. Mas também temos a certeza de que quem resolverá os problemas dos serviços de universalização da oferta de água e de esgotamento no nosso país será o setor público”, defendeu o palestrante.
Para Romildo, o desafio posto ao movimento sindical dos urbanitários é reconhecer que há deficiências na prestação de serviços das companhias estaduais, mas que é perfeitamente possível melhorar a gestão e a qualidade desses serviços, apontando sempre que a saída para solução dos problemas existentes não passa por PPP’s, federalização ou privatização.
“Em oposição a esse modelo privatista, defendemos a recuperação das empresas públicas de saneamento, a flexibilização dos mecanismos de acesso a recurso, e maior agilidade na sua liberação para os operadores públicos de saneamento”, enfatizou o secretário de Saneamento da FNU.
Desafios para os trabalhadores
Já em sua exposição, o ex-presidente do SINDISAN e da CUT-SE, Antônio Carlos da Silva Góis, falou sobre os desafios frente às PPP’s e a possível federalização da DESO, da qual é funcionário há 32anos. Para Góis, a partir de tudo que foi exposto e discutido nos dois dias de seminário, o movimento sindical dos urbanitários precisa fazer um esforço para sair do discurso e ir para prática. Segundo ele, diante dos avanços do discurso privatista do governo interino de Temer, com tudo o que foi acumulado com as experiências e lutas dos últimos anos, os trabalhadores precisam se organizar para a luta e atuar nos vários campos da sociedade para reverter o quadro.
“O cenário político e econômico é dos mais adversos, mas muito em parte como resultado de um modelo que poderia ter sido combatido e modificado nos anos em que tivemos governos um pouco mais alinhados com os trabalhadores. Isso não aconteceu e hoje estamos enfrentando todos esses problemas, com o avanço da direita privatista que vem atacando, sistematicamente, os direitos conquistados pelos trabalhadores”, analisou.
Para Góis, no combate a essa onda de privatização e ataques aos seus direitos, os trabalhadores, organizados, precisam interferir nos mais diversos fóruns, levando e defendendo as suas propostas e alertando para o risco que representam as PPP’s, a federalização ou a venda direta do setor de saneamento brasileiro para o capital privado.
“É fundamental que os trabalhadores, através de discussões como a que tivemos aqui, se instrumentalizem e se apropriem das informações que temos para que, no campo da disputa, seja ela ideológica ou meramente técnica, sejam de fato vitoriosos”, disse.
O ex-sindicalista também reforçou a necessidade de combate ao governo interino de Temer, que, se vitorioso no processo de impeachment aberto contra a presidenta Dilma Rousseff, resgatará, na íntegra, o Programa Nacional de Desestatização de FHC para transferir ao setor privado órgãos e funções do Estado.
“Tem essa questão do impeachment, sobre a qual os trabalhadores não podem ficar alheios e precisam enfrentar. Afinal, Temer e seu grupo representam os setores empresariais e do capital, nacionais e internacionais, que querem exatamente se apossar não só do setor de saneamento, mas de outros setores estratégicos para o país” apontou.
Por fim, Antônio Góis lembrou que, diante do fato de a titularidade da água, pela Constituição Federal, ser do ente municipal, é importante que os trabalhadores e os seus sindicatos também ficarem atentos ao processo de eleições municipais que se aproxima.
“É um desafio que temos que pôr na ordem do dia. Para enfrentarmos essa onda privatista, temos que procurar inserir nos programas dos candidatos a cargos municipais o seu compromisso com a defesa do saneamento como instrumento de saúde pública e de caráter social que não pode ser privatizado, porque é de interesse de toda a sociedade e não de empresas privadas”, enfatizou Góis.