Águas de Manaus impõe tarifas impagáveis

Por Sandoval Alves Rocha

Essa é a constatação de um dos moradores do bairro Jorge Teixeira, zona leste da cidade, que teve de forma inusitada aumento inexplicável no preço da sua fatura de água e esgoto nos últimos três meses. No ano passado, ele costumava receber faturas mensais no valor de R$ 200, mas nos últimos meses esse valor tem aumentado exponencialmente para R$ 1,2 mil, R$ 1,4 mil e R$ 1,8 mil. Sem compreender o que está acontecendo, o morador se encontra desesperançado, chegando a decidir que deixará a empresa cortar os serviços da sua residência por não ter condições econômicas de quitar com a dívida.

O problema não seria tão preocupante se tivéssemos diante de um caso isolado, mas segundo o mesmo morador, essa situação é vivida amplamente entre os seus vizinhos.

Denúncias como esta aparecem com frequência na cidade de Manaus, que privatizou os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário há 23 anos. Esta situação experimentada pelo morador acima mencionado é uma das razões por que a concessionária Águas de Manaus (Aegea Saneamento e Participações) é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instaurada no último dia 24 de fevereiro, na Câmara dos Vereadores de Manaus (CMM).

Entre as múltiplas motivações da CPI da Águas de Manaus é possível destacar a falta de investimento da empresa nos serviços. De fato, as grandes obras de saneamento da cidade têm sido financiadas pelo poder público, por exemplo, o Programa Águas para Manaus (PROAMA) e a Estação de Tratamento de Esgoto do Educandos (ETE do Educandos).

Pesam sobre a empresa denúncias de irregularidades como recapeamentos precários em áreas onde foram realizados serviços, interrupções abruptas no fornecimento de água, discrepância entre consumo e cobrança em residências e ausência de relatórios de cumprimento de metas. A Agência Reguladora dos serviços também será investigada por omissão diante de tais irregularidades.

Crimes e operações fraudulentas marcam a história da Aegea Saneamento nos últimos anos. Em 2016 e 2018, a Operação Sevandija da Polícia Federal e do Ministério Público deflagrou atuações criminosas envolvendo contratos deste grupo empresarial com a Prefeitura de Ribeirão Preto/SP. A empresa teve que ressarcir R$ 40 milhões ao Departamento de Água e Esgoto (Daerp) e à Prefeitura de Ribeirão Preto referentes ao valor pago por um contrato fraudulento para obras de infraestruturas. O plano funciona da seguinte forma: a Aegea Saneamento recebia o pagamento do Daerp pelo serviço – que nem sempre era executado – e repassava parte do valor a outra empresa, por meio de contratos fictícios.

No amazonas, a Aegea Saneamento, que controla a concessionária Águas de Manaus, terá que explicar o seu baixo desempenho, que coloca a capital amazonense entre as piores cidades no ranking de saneamento do Instituto Trata Brasil (SNIS 2021). A cidade ocupa o 83º lugar no atual ranking que avalia as performances dos cem maiores centros urbanos no Brasil. Permanecendo entre os 17 piores, o município de Manaus dá continuidade a uma trajetória desafortunada, gerando o constrangimento de promover a falta de água em plena Amazônia.

Além de abandonar as periferias da cidade, realizando serviços precários nos bairros pobres ou se ausentando totalmente de outros, a concessionária opera uma intensa espoliação dos moradores e trabalhares manauenses, logrando elevar a sua taxa de lucro líquido, em 93% nos últimos dois anos. No quesito da coleta de esgoto, Manaus continua entre os 10 piores municípios (92º), demonstrando que a privatização não deve ser replicada, se a meta é universalizar e democratizar esses serviços.

Com esses resultados, Manaus corrobora a imagem de uma Amazônia ferida e descuidada. Um território usado para satisfazer os interesses das grandes empresas que aqui se instalam para vampirizar os recursos naturais, deixando destruição, fome e morte.

Nossas águas são poluídas pelo garimpo ilegal, pela mineração irresponsável e pelo agronegócio letal que envenena os corpos hídricos. Nossos rios e igarapés urbanos são destruídos diante da vista de uma empresa que é contratada para sanear, quando ela mesma não atua para produzir tal destruição.

No Dia Mundial da Água tivemos pouco para comemorar, pois o que vemos com espantosa facilidade é a violação do direito fundamental à água e ao saneamento. A CPI da Águas de Manaus tem a responsabilidade de trazer a tona informações que não aparecem normalmente nos meios de comunicação.

Diante de tais informações, que certamente causaram indignação, será possível construir perspectivas e cenários mais positivos para aventar uma gestão pública, democrática e transparente das águas. Por ser tão essencial, a água não combina com lucro, mas com vida. Água é vida!

*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.

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Texto original publicado no site Amazonas Atual.

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