Privatizar as concessões da DESO é pôr fim ao sistema que financia a universalização da água

Por Aécio Ferreira da Silva*

Com a criação das companhias estaduais de saneamento básico, no final da década de 1960, foi idealizado um sistema tarifário que permitisse maior ampliação da cobertura do acesso à água potável a um custo acessível: o “Subsídio Cruzado”. Esse sistema é autofinanciável e permite custear o abastecimento de água com uma tarifa única, seja nos maiores centros urbanos ou nos mais longínquos povoados, independente dessas localidades serem superavitárias ou deficitárias.

Esse foi um dos principais fatores que tornou acessível a toda a população água potável a um custo racional, impulsionando a ampliação da cobertura de água tratada no final do século passado e, agora, a ampliação da cobertura do esgotamento sanitário, buscando o caminho da universalização do saneamento básico. Outros fatores foram a existência das próprias companhias estaduais de saneamento e os investimentos públicos no setor.

De uma forma simples e didática, esse sistema possui três eixos que se cruzam: o primeiro é que os municípios superavitários financiem o abastecimento daqueles que são deficitárias; um segundo eixo é que o valor do metro cúbico da água varia do consumo menor para o consumo maior, ou seja, quem consome muita água também financia as tarifas mais baixas correspondentes aos menores consumos, bem como a tarifa social; e, complementando, um terceiro eixo, que é a diferenciação das categorias de acordo com a finalidade no uso da água – residencial, comercial, industrial e órgãos públicos –, de forma que o consumo humano seja priorizado, permitindo que mais pessoas sejam atendidas.

Com essas informações, fica mais claro para a população entender que é o valor arrecadado, por exemplo, na Grande Aracaju, que financia e permite que os serviços de saneamento básico possam chegar às camadas mais vulneráveis da população nos mais distantes rincões de Sergipe. Podemos até afirmar que a Grande Aracaju é hoje o grande “esteio” que sustenta os demais sistemas deficitários, permitindo uma maior cobertura de abastecimento de água no estado.

O senhor governador do Estado, Fábio Mitidieri, fala muito que não vai “privatizar” a DESO, considerando que esse termo está muito desgastado, e sim negociar a concessão dos serviços com a iniciativa privada, mantendo a DESO como estatal. Ora, negociar uma concessão pública é nada mais que a entrega dos serviços de água e esgotos a uma empresa privada por longos anos; ou seja, mesmo que não aliene a DESO, estará privatizando a distribuição de água e esgotos, transformando a água em mercadoria em benefício da empresa privada e em detrimento do povo. Dessa forma, dizer que vai negociar a concessão é um sofisma para privatização dos serviços públicos.

Assim sendo, não é difícil concluir que, uma vez se retirando a concessão da DESO com os municípios superavitários, como os da Grande Aracaju, o governo estará repassando para a iniciativa privada a maior fonte de recursos que permite a todo o estado de Sergipe ter acesso a água potável, a um valor único por metro cúbico e acessível a todos. Por conseguinte, estará inviabilizando e rompendo com o sistema de Subsídio Cruzado, o qual é o principal sustentáculo de uma maior cobertura de água. Ao contrário de buscar a universalização, o governador estará, na verdade, regredindo na área hoje alcançada pelos serviços de água e esgoto.

Porém, para o governador atingir seus objetivos, terá que contar com a concordância dos prefeitos desses municípios que deverão autorizar ao Estado a negociar a concessão. Está, portanto, na hora de perguntar aos prefeitos sergipanos se eles irão permitir que as camadas mais vulneráveis, economicamente, dos seus municípios sejam prejudicadas, vindo a pagar uma tarifa mais alta e insuportável, limitando e inviabilizando o acesso à água potável e à saúde dos seus munícipes.

Se o governador persistir nesse projeto de privatização, entrará para a história de Sergipe como o governador que desmontou o Sistema Tarifário do Subsídio Cruzado, prejudicando todos os sistemas de abastecimento deficitários, que deixarão de existir ou que serão inviabilizados economicamente, prejudicando o acesso à água pelo povo mais sofrido, que na verdade é maioria da população sergipana. Um verdadeiro absurdo.

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*Aécio Ferreira da Silva é engenheiro ambiental, técnico em Saneamento da DESO há 39 anos e secretário-geral do SINDISAN-SE.
*Este artigo foi publicado originalmente no Jornal da Cidade, edição nº 14.968, de 31 de outubro de 2023
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