Operação Navalha: bodas de madeira e impunidade
Há exatos cinco anos, a sociedade sergipana acordava perplexa com os noticiários bombásticos de centenas de policiais federais cumprindo mandados de prisão, busca e apreensão, ocupando apartamentos em edifícios grã-finos e mansões nababescas em Aracaju e também em vários pontos do Brasil. Numa operação quase cinematográfica, todo o Sergipe acompanhou as prisões de figuras importantes do meio político, empresarial e servidores acusados de desvio de verbas públicas.
Era o estouro de mais um grande escândalo nacional, de proporção colossal, à altura do montante saqueado: R$ 178 milhões só em Sergipe. R$ 300 milhões em todo o país, surrupiados pela quadrilha comandada pelo capo de tutti capi Zuleido Soares de Veras, dono da Construtora Gautama, sugadouro dos milhões de reais dos cofres estatais direto para o bolso de uns poucos larápios. E quem é a turma do Zuleido que operou em Sergipe, em especial dentro da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) e do TCE?
Aqui foram pegos pelas escutas telefônicas da PF e durante as investigações nada menos que 11 figuras ilustres, que respondem ação penal por peculato e/ou prevaricação, mas que até hoje espera para ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça. A casa caiu para o ex-governador do DEM, João Alves Filho; seu filho e diretor-presidente da construtora Habitacional, João Alves Neto; Flávio Conceição de Oliveira Neto (chefe da Casa Civil no governo João Alves, conselheiro afastado do TCE e braço direito de Zuleido nas operações em Sergipe); o ex-deputado federal pelo PPS, Ivan Paixão; o ex-presidente da Deso no governo João, Victor Mandarino; o ex-secretário da Fazenda no governo João, Gilmar de Melo Mendes; o tesoureiro da campanha de João Alves em 2006, Max Andrade; Roberto Leite e Kleber Curvelo Fontes (ex-diretores da Deso), Sérgio Duarte Leite (ex-funcionário da Deso e empresário que ainda presta consultoria à companhia) e Renato Conde Garcia (funcionário da Deso).
Mas apagados os holofotes da mídia, habeas corpus pra todo lado livrando a gatunada de ver o sol nascer quadrado, e o tempo se encarregou de mais uma vez favorecer a turma do colarinho branco, para quem as cadeias são meras figuras de filme de Sessão da Tarde.
E o caso foi perdendo interesse da população. E da Justiça também. Cinco anos depois e nada. Fosse num casamento, seriam Bodas de Madeira, motivo para bolo, champanhe e festa. Mas não se comemora pilantragem. No conjunto da população honesta, fica apenas a amarga sensação da impunidade que campeia por essas terras, beneficiando os grandes tubarões que estraçalham e consomem com voracidade as carnes e entranhas dessa vaca de fartas tetas chamada erário público.
E ficamos a ver navios como aqueles que zarpavam há quinhentos anos, cheios de fétidos saqueadores europeus e arrobas e mais arrobas das riquezas roubadas desse fértil chão e dessa gente brasileira, tão dócil e tão servil, para não dizer tola.
E temos que engolir seco a arrogância dessa gente espúria, que no fim das contas ainda volta às páginas das nauseabundas colunas sociais, mesmo depois de terem estampado as páginas policiais com seus crimes vis.
E ainda há os que descaradamente (ou seria desesperadamente?) buscam a política (ou retornam a ela) mesmo depois desses escândalos, por duas boas razões: ganhar foro privilegiado e abrir oportunidades para novas rapinagens. Dupla vitória.
E o que é pior, ainda há muita gente por aí, cego por sua própria ignorância e falta de memória, que engole fácil a torpeza dessa gente, ignoram seus golpes e saques sistemáticos ao dinheiro público, dando-lhes os votos que lá na frente serão garantia pra novos golpes e novos saques.
“Rouba mas faz!”, justifica um sacripanta. “Ele deu emprego pros meus filhos”, arrota outro descerebrado. E é graças a esses que essa gente se perpetua e perpetua seus crimes. Ao fim, a sociedade toda é quem fica com o saldo negativo dessa conta.
É na ignorância de uns, no silêncio e covardia de outros, na omissão da maioria e na lentidão e ineficácia da Justiça que as ratazanas vão se multiplicando e engordando.
Durante esses cinco anos, a CUT de Sergipe e seus sindicatos filiados praticamente estiveram solitários (irritantemente solitários) na luta contra a impunidade relativa à Operação Navalha. A cada aniversário, fizeram manifestações nas ruas cobrando julgamento e cadeia para os envolvidos, martelando o governo Marcelo Déda para que fizesse auditoria na Deso; em frente à Assembleia Legislativa, montaram uma barbearia pra cobrar dos deputados – sem sucesso – que instalassem a CPI da Navalha; distribuíram doce de leite e lavaram de creolina a entrada do Tribunal de Contas do Estado, pra desinfetar a “sujeira” ali presente; fizeram carnavais contra a corrupção, marchas do 1º de Maio contra a rapinagem do dinheiro público, enfim, foram insistentes.
Ainda este ano, a CUT foi mais uma vez a única entidade a estar na frente do TCE, não para fazer festa para a conselheira Isabel Nabuco D’Ávila que se aposentava, mas para lembrar do seu envolvimento com Flávio Conceição e suas falcatruas, tudo devidamente registrado nas conversas telefônicas interceptadas pela PF, onde os conselheiros negociavam sentenças e trocavam propinas em latas de doce de leite, que a doméstica da conselheira descia para pegar.
E nada lhe aconteceu. Foi aposentada com pompa, cobertura animada da imprensa, puxa-saquismos a dar de penca e direito até mesmo à banda marcial da Polícia Militar e saudações especiais do governador do Estado pelos seus relevantes e competentes serviços prestados como conselheira do TCE. Bravo, bravíssimo! Fecham-se as cortinas e o povo é quem tem que rir de si mesmo: é o palhaço do espetáculo!
E Flávio Conceição? Este ainda mama tranquilamente nas tetas do TCE. É conselheiro afastado compulsoriamente, ganhando sem bater um prego seus R$ 25 mil mensais, enquanto nosso “Tribunal de Faz de Conta” figura excentricamente como o único do Brasil a ter oito conselheiros.
Mas cinco anos já se foram, e até entre os bravos cutistas o cansaço já bate. A sensação é de que a pizza já está mais do que assada e pronta pra ser servida com vinho e docinho de leite de sobremesa. Mais uma vez, a gatunagem sairá vitoriosa, e a população é quem sairá perdendo.
O Superior Tribunal de Justiça, em especial a ministra Eliana Calmon, responsável pelo caso desde o início, tem em suas mãos, desde o dia 2 de maio último, a ação pronta para ser julgada. Adiou-se então o julgamento, passando para 16/5 (ontem). Não foi julgada. E continuam os adiamentos. Até quando? Esperar mais o quê? Os crimes prescreverem? Até hoje, nem Zuleido, nem nenhum dos envolvidos com ele em Sergipe sofreram qualquer punição.
Seguiremos assim, com a Justiça premiando os grandes saqueadores do dinheiro do povo? E estes continuarão rindo e semeando a perniciosa lição de que roubar (muito) compensa? Há motivos para acreditar que sim. A navalha da Justiça anda cega há tempos…
George Washington Silva é jornalista e Secretário de Comunicação da CUT-SE.