Erros no edital de privatização do saneamento de Sergipe poderão gerar indenização à concessionária privada
Há nuvens pesadas e escuras pairando sobre o processo de privatização do saneamento de Sergipe, e quem as traz são os ventos que vêm do Sudeste, mais precisamente do Rio de Janeiro, onde já está em curso a negociação de um termo de conciliação entre a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), a empresa Águas do Rio — concessionária dos serviços de água e esgoto em parte do estado —, o governo fluminense e a agência reguladora daquele estado, a Agenersa. O acordo prevê a indenização à concessionária por erros no edital de concessão que levou ao leilão que transferiu parte do setor de saneamento à iniciativa privada. Erros semelhantes também foram detectados no processo em Sergipe.
O alerta foi dado pelo SINDISAN, o sindicato que representa os trabalhadores em saneamento do estado, ainda em 2023, assim que foi publicizado o estudo para desestatização da Companhia de Saneamento de Sergipe (DESO), desenvolvido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por solicitação do então governador Belivaldo Chagas, e cujos dados, que seriam fundamentais para mensurar com precisão a situação do saneamento em Sergipe, continham sérios erros ou omissões. E foi esse estudo que subsidiou o Edital de Concorrência Pública Internacional nº 01/2024, que permitiu passar para a iniciativa privada por 35 anos parte da concessão da prestação regionalizada dos serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe (MAES).
É bom os arautos desse projeto de privatização parcial da DESO, entre os quais, o seu mentor, o governador Fábio Mitidieri, irem colocando as barbas de molho em relação à possibilidade concreta de acontecer em Sergipe o que está acontecendo no Rio de Janeiro, com a estatal de saneamento tendo que indenizar, num futuro próximo, a Iguá Saneamento por erros no Edital nº 01/2024.
No caso concreto de Sergipe, além do SINDISAN ter chamado a atenção para problemas parecidos no estudo apresentado pelo BNDES em relação ao estado, os engenheiros Adauto Santos do Espírito Santo e Marcos Helano Fernandes Montenegro, ligados ao Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), produziram uma Nota Técnica em que apontam graves erros no Plano Microrregional de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário de Sergipe, o documento que fundamentou todo o processo de concessão desses serviços à iniciativa privada no estado.
A Nota Técnica – que foi referendada em carta aberta assinada por treze professores doutores de diferentes estados do Brasil, recomendando a suspensão de todo o processo de concessão dos serviços de saneamento de Sergipe até que todos os erros e omissões fossem corrigidos – foi apresentada à imprensa sergipana, em coletiva organizada pelo SINDISAN, com presença do engenheiro Marcos Montenegro, no dia 17 de maio de 2024, três meses antes do leilão. Também foi levada ao Ministério Público Estadual e ao Ministério Público de Contas do Estado.
A NT concluiu que o Plano Microrregional e seus Apêndices, que embasam o Edital de Licitação da concessão dos serviços de água e esgoto em Sergipe, apresentam inúmeras inconsistências, tais como: Superestimativas de demanda de produção de água e de geração de esgotos; superestimativas de receitas em função das superestimativas de consumo de águas e produção de esgotos; incoerências nas informações contidas nos relatórios municipais; divergências grosseiras entre os índices de atendimento com abastecimento de água e esgotamento sanitário quando comparados com valores constantes do SNIS/2021; subestimativas dos investimentos para ampliação, modernização e reposição de unidades que compõem os sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário; entre outros erros ou omissões.
O alerta não sensibilizou o Governo do Estado, a Desenvolve Sergipe ou a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Sergipe (Agrese), tampouco impediu que o governador Fábio Mitidieri levasse adiante o seu projeto privatista e o martelo foi batido, com toda a pompa do mundo, no leilão ocorrido no dia 4 de setembro de 2024, na Bolsa de Valores de São Paulo, sacramentando a entrega da concessão parcial dos serviços de saneamento de Sergipe para a Iguá Saneamento, por um período de 35 anos, ao custo de R$ 4,5 bilhões. Desse montante, 80% já foram pagos, para a alegria de prefeitos e do próprio governador. A maior parte desses recursos já “evaporou” sem que fossem aplicados onde de fato deveriam: em investimentos de infraestrutura, projetos ambientalmente sustentáveis ou, no máximo, em pagamento de precatórios transitados em julgado.
No Rio de Janeiro, a estimativa é de que, pelo acordo que se desenha, a Cedae terá de pagar cerca de R$ 900 milhões à Águas do Rio até o fim do contrato (o valor corrigido pode chegar a R$ 1,4 bilhão). Essa quantia será descontada dos pagamentos à Cedae, responsável pela captação e pelo tratamento da água fornecida à Águas do Rio.
Aguardemos o desenrolar desse filme nas terras de Sergipe e como os defensores da privatização da DESO irão se explicar quando essa bomba estourar. E vai estourar. Certamente, desculpas esfarrapadas virão e ninguém assumirá o erro. Além da ameaça quanto aos 20% que faltam ser pagos pela outorga da concessão dos serviços de saneamento da MAES, cerca de R$ 900 milhões previstos para dezembro de 2026, a depender do tamanho do estrago, ao final, os recursos que entrariam para os cofres da DESO como pagamento pela produção da água tratada fornecida à Iguá Sergipe poderão ser reduzidos, pois haverá descontos indenizatórios em favor da concessionária privada até o fim do contrato, em 2060.
Quem semeou vento que se prepare para colher tempestade!
