Se Sergipe lidera ranking da fome, a situação pode piorar com a privatização da água

Por George W. Silva*

A grande notícia da última semana foi escandalosa e recebeu o óbvio destaque da mídia local. Sergipe é o estado campeão em insegurança alimentar, de acordo com dados do IBGE. São números de fato assombrosos e fazem corar de vergonha qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade e humanismo; mas, via de regra, não comove políticos que só pensam em festas, pontes e em lucrar politicamente com privatizações.

De acordo com os dados do módulo sobre Segurança Alimentar da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgados pelo IBGE no último dia 25, metade dos domicílios sergipanos (49,2%), ou 1,2 milhão de pessoas, sofre com a falta de acesso à alimentação adequada, e o percentual da população que passa por insegurança alimentar grave chega a 5,6%; são 126 mil sergipanos que dormem e acordam sem saber se conseguirá colocar um naco de pão na boca ou tomar um simples cafezinho. É estarrecedor!

Nem todas as notícias, porém, são ruins nas terras de Sergipe d’El Rey. Ao menos nos setores de segurança, festas e mídia, dinheiro não falta, nem faltará. Tomando pela matéria publicada pela Mangue Jornalismo, para o ano de 2024, estão previstas despesas com segurança pública, cultura (diga-se, festas) e mídia em valores que ultrapassam R$ 1,4 bilhão. Enquanto isso, para o ‘combate à fome e promoção da segurança alimentar e nutricional’, somente R$ 33,8 milhões; ou seja, 40 vezes menos.

Vê-se, nitidamente, nesses números, quais as prioridades do governo Mitidieri, para além de entregar o Estado aos interesses do capital privado.

Privatização e mais exclusão

Mas o que já está ruim pode piorar? Se depender do governador de Sergipe, pode, e muito. Levando a cabo o seu projeto de entregar para a iniciativa privada a concessão do serviço de abastecimento de água, hoje prestado pela DESO e SAAEs, para os sergipanos que já não têm o que comer, ter acesso à água potável nas torneiras será um dilema: ou comem ou saciam a sede.

Isso porque, contrariamente ao que os defensores da privatização do saneamento de Sergipe vêm propagando, as tarifas cobradas dos usuários pela DESO e pelos SAAEs de Estância, Capela, Carmópolis e São Cristóvão não serão reduzidas. Muito pelo contrário. O que apontam as experiências dos estados e cidades onde a privatização da água chegou, é a repetição de uma sistemática: tarifas abusivas, péssimos serviços e exclusão das camadas mais pobres e periféricas do acesso a esse bem essencial.

Em um desses casos, o Rio de Janeiro, matéria do Última Hora escancara a realidade já na manchete: Saneamento ou Saqueamento? Reclamações contra Águas do Rio bate recorde. E segue: “A população do Rio de Janeiro enfrenta o turbilhão da privatização do saneamento. A transição da Cedae para a empresa Águas do Rio, iniciada em 2021, prometia melhorias, mas o que se vê é um mar de reclamações e contas de água que mais parecem cifras de um leilão. As denúncias, que atingiram uma alta impressionante, segundo o Procon-RJ, revelam um cenário onde o direito básico à água está sob ameaça”, alerta a matéria.

Casos se multiplicam

E casos semelhantes se multiplicam Brasil afora: Alagoas, Tocantins, Mato Grosso, e em cidades como Ouro Preto, Pará de Minas, Manaus, entre outras, a população vêm sentindo no bolso e na renda familiar o peso da privatização da água, com tarifas que chegaram a triplicar, sem nenhuma melhora nos serviços. E o pior, com os aumentos mais duros recaindo justamente sobre as famílias que dependem da tarifa social.

A pergunta que fica para a classe política e para os que operam ou apoiam a entrega da água dos sergipanos para a iniciativa privada, a fim de atender aos interesses de acionistas sempre ávidos por lucros e alheios ao sofrimento dos mais pobres: Em um estado onde metade da população já vive sob a tragédia da insegurança alimentar e cerca de 615 mil famílias sobrevivem com algum tipo de auxílio assistencial, como essa parcela da população pagará as caras tarifas privadas para ter acesso a um bem vital? A opção será mesmo matar a sede ou morrer de fome?

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*George W. Silva é jornalista, já presidiu o Sindicato dos Jornalistas do Estado de Sergipe e, atualmente, é assessor de imprensa e de comunicação do SINDISAN.

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